amor é ave de tormento
fera atroz de flecha sombria a pairar no azul
que acorda o cosmos na escuta dos passos
de um outro coração a sofrer no silêncio das trepadeiras do sul
sentado em ramagem púrpura
na qual divaga a noite
de faces rosadas
o obus da claridade do mundo
névoa de marfim
estanhada na lua
as laranjas caem dentro das ameixas aspergidas
e a mulher procura o instinto
que se embrenha na fenda do castanheiro de argêntea cabeleira
a cidade morre lentamente a olhar o rio
lânguida vista de vendedor de pensos e de melancolia ao peso
há automóveis que são luzes puxadas por astros disformes
há luzes no chão da harpa dolente
há mulheres-caranguejo a subir e descer em santa ordem
o pátio da esperança está vazio
levantar-se-á cedo com as chamas do ocaso a queimar os cabelos inermes
no primeiro andar a morte vagueia no tecto sem beleza
e o castelo das trevas balbucia a alvorada da casa dos corações
a pomba do calor do verão sorverá a luz vermelha da torre dos moribundos
deus vai descer à terra
pescará com redes de arame entrançado no tear de yama
no oceano de todas as raízes
e verá dentro das mulheres que amo
o julgamento e a absolvição do vento nas árvores de portas abertas
e no vinho das taças derramadas onde habitam as marionetas de cinco dedos
deitadas no sonho do bolso da noite acordada na tenda do desterro
e eu estarei lá em insónia
deitado a seu lado
com todas as mulheres-desejo que nunca amarei
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