sábado, 29 de junho de 2013

473. CANSADO DE TANTA MORTE





a curva da estrada

apesar do quebranto
algo me impele a estancar

há sombras vivas 
que repousam no asfalto
árvores retorcidas 
que já deram o seu fruto
vinhedos esquecidos

o sol brilha através dos ramos dos pinheiros bravos
um lavrador come a merenda à sombra de uma fraga
a mulher prepara estacas
o semeador descansa e bebe
o vinho com a frescura da água da mina
ao seu lado
pão de centeio
queijo 
um naco de presunto velho

sorri
o seu sorriso arrasta-me pela memória dos tempos
o seu sorriso é rosa-do-mundo
vejo-me nos calções azuis cor de céu e na alva branca de domingo 
há missa 
os sinos tocam
casimiro casmiro casmirito mirito miro
o meu amigo-louco
da infância perdida
miro
o louco
do sorriso infinito
aberto
livre
ingénuo
contagiante
que ia à igreja só para me ver ler

sinto saudades
não sei se da vida 
se da morte
se do mal 
se do bem
sinto saudades
e sentir saudades
é ter feridas
sangrantes
mas sempre é melhor
ter saudades
que não ter nada

sento-me no muro em pedra circular
vejo um vulto no chão
(eu que desde criança vejo coisas
coisas que não devia ver) 

foi aqui que miro veio morrer

estou cansado de tanta morte


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