segunda-feira, 2 de setembro de 2013

577. AO MODO ORIENTAL








     ao modo oriental



na floresta o veado real fez estancar a montada do rei de gládios     besta ajaezada de pedrarias raras

melosas são as iguarias das bancas cristalinas 

um baralho anárquico 
hirto    
  sem pestanear
rasteja a ofídia alvar

rábia salivada do conde de copas

prosperar ou não pelo tapete de folhas mortas
eis a questão     sempre a questão dos que preparam o esquife na brancura dos dias extintos     jardim das oliveiras copadas

o cristo dos miseráveis     pobre olvido     a cruz deserta
      deixa que capture teu espaço

desgastado é o tapiz da cerimónia conubial

abatido e exausto
mesmo na inacção
animal de rojo

prospero na serventia da morte     corredores dos horrores
desiludido com os roedores     com as vidas-de-favores
     lavores de belas-adormecidas

velhas de calções a exibirem celulite na frutaria quase deserta     dançam ao domingo com pindéricos da solidão     embaem a míngua de pão e carne     petrificada é a oração

jovens que se consagram por tostões ao uso santificado do sexo rápido

trem das dez para cascais     os pais dormem     as filhas fodem     os filhos que se drogam     que se afogam no vinho vodka e queimam neurónios

maridos labutam e as mulheres nos motéis das auto-estradas     lotação esgotada ao meio-dia


          todas santas
          acusantes
          buliçosas

antes que me chames puta      chamo-te eu a ti

assim se defendem do cheiro viperino e espermático          vapor das coxas efervescentes de ranço   


na serrania das manhãs azuis
desabrocham águas de dois nascentes     abraçadas     enamoradas como dois adolescentes

enfeitiçados

uma somente
ou     quiçá
águas diferentes

     águas inocentes
ardor de nossa volúpia
apaixonada     a jorrar de nossa semente


gaitada de demente
dança ri solfeja pécora de antigamente

o rio é vasto     suas águas extensas     copiosas
correntio ocre barra-me

retorno à ourela     ao lodo ribeirinho


voltarei a ver-te?

digo-te assim sem pudor     quero foder-te    

e o amor que se dane do lodo à areia de sangue
do sangue às vísceras surdas do penedio 
onde os comensais espreitam as relíquias do meu dossel

todas as amantes que tive e tenho

sala escarlate da lascívia
a pívia lacrimejante das tresloucadas

abençoadas porque fodem
que interessa
         se bem se mal


firmamentos cristalinos rejeitam a água que remonta –
albergo-me na obscureza da minha alma negra

profundura da fossa abissal     navegação em mar grosso

para quê estar presente na trivialidade social?

no natal sim     a mesmíssima confusão familiar

na páscoa a paixão     e já se deixa de comer peixe

antes     o carnaval de todas as horas
o mesmo depois
e agora

agora
o veio de águas límpidas trespassa o coração da terra

sua superfície violentada
por exército em debandada

três vezes o general o adestrou
três vezes ordenou a peleja dos leões doutrinados     

seis vezes preparou a retirada dos tigres

     nada
     assim seja     

a cobardia desta geração não tem erecção que se sustenha     

     há desordem 
     vaivém
     demasiadas baixas

               a pujança do desdém

de nada serve ir a belém     o homem mumificou
quem está está quem vai vai     dizia o pépé     
     eu estou


da humildade nasceu a harmonia
o taberneiro serve um copo de vinho 
um pouco mais
modéstia de fraco intestino

o homenzinho já nada tem a desprezar

     em equilíbrio precário
     perfeito é seu pacto 
     as entranhas e o mundo


de ocidente chegam nuvens carregadas de negro-pérola          
sem chuva      arrojadas pelos ventos

viajo num carro sem rodados
bordado a pura lã

os meus olhos no horizonte
longe dos teus
luzentes de lágrimas
choveu no reino do amanhã


céu a alimentar o lago das delícias
a floresta densa de negra pantera jacente

quem vive de soledade não tem de ser temente

estou sozinho
nesta longa caminhada
em que espezinhei parceria
soluços na pradaria sem gente

coisa que ninguém viu
disse o senhor prior

         puta que o pariu

a independência é mais do que liberdade
o seu preço a maior vaidade

     conheço-lhe a mais-valia     


minha intenção     firme     natural e benigna
como águas findas

o guerreiro continua o seu caminho
sujo e enlameado

sem comandante
ou a quem comandar

soberano     senhor de si     não fungível

contigo maria teria casado não fora faltar-te um fusível
por tal
pagarei a quem te leve
ou ao diabo que te carregue



arqueou-se o céu beijando a terra virgem
donzela de cândidos deuses

os deuses são lúbricos     deles é o cabaço 


     o alto e o baixo serenam

à beira das águas arrancámos os juncos
e amámos os desafortunados
amando-nos a nós
nos muros graníticos
da fortificação imaculada


     viagem inóspita ao ergástulo
paraísos longínquos

alheamo-nos da terra fecunda     olimpo dos êxtases
as minhas mãos no centro das tuas coxas     nas tuas o meu membro

o que vem fica
     na alma de uma mulher ficam sempre restos de homem

o que vai não volta
     na carne de um homem desvanece-se o perfume da amante

ambos carpem e riem
na escravidão do espaço

o resguardo do perdimento não se desmorona

depois do muro em pedra solta
o aprazimento embriagado –

finda a obturação     a realização


lembra

quando atravessando o rio grande
os nossos beijos se trocaram no deserto da endívia
e acendemos o fogo do amor     

daí nasceu a lascívia dos criadores

noite fria de estrelas ocultas
elas as mais belas

da cooperação nasceu o equilíbrio
da integridade a sabedoria

e o povo era de fraca valia     desprezível estrumeira a trasfegar 


veemente o fogo sobe ao céu das divindades domésticas

não há nada que extinga o mal da insignificância humana
desfavorável e perniciosa          repudiada

          a candura obra o bem


a minha mente
um pequeno carro carregado
de perversos e culpados
tempo de engano

     tempo de falsidade


mas o espírito fere o farto e enobrece o humilde
na sua grandeza surda e muda

o cume da montanha é despretensioso     
modesto     

cultivar a humildade é hipocrisia
ser humilde é esperançoso

humildosamente
sol e lua percorrem as suas órbitas
as estações sucedem-se

primavera em floração
estio de fogo     outono rubro
inverno de recolhimento

há uma suave e secreta harmonia
no mais íntimo do meu ser

com a luz vem a sombra –
o cavalo branco alado
não deixa rasto
nem na terra nem nos céus

o cavalo preto da retaguarda
não afecta a terra em movimento –

          sou feliz     acho


     o poente está no horizonte
     belo como nunca
     inocente como sempre

     o sol fecha os olhos vagarosamente
     sossego nele

     seio da luz
     que com leveza se apaga
     aguardando o novo dia


          amo-te maria     ao meu modo

desejo do desejo     quero-te  –
ansiedade     que passa 

sinceridade e caminho     via do meio
clareza     sapiência e perícia

adeus     vai com deus     dá-me o descanso
          que há tanto mereço


há uma brisa no sopé da montanha
a acariciar a rocha inerte     sublime e suave detém-se
no seu próprio movimento     retornando ao centro
como quem começa de novo     sem começar     tão devagar
tal o rio que esmorece no verão
sem secar


     o cavalo branco debate-se no pântano

com esforço liberta-se –
a salvação tem a sua origem na pureza e na lisura


     um vento subtil varre a terra
     observa-se e contempla-a
     que doce e gentil visão –
     paz na contemplação


          mordo 
apenas com intenção de morder
assim supero barreiras e inutilizo a canga que me oprime
que impede o ouvir     o ver


a fogueira dos deuses
ilumina o cume áspero

a luz das labaredas
invade as veredas

no caminho há a alegria
da justa simplicidade

não há ódio

não há rancor

nada que cegue a límpida visão
da realidade
dos jardins imponentes
tecidos na circunstância do instante


a justiça dos homens não é divina
não é equidade
espécie de merda fria

àquele que tem dar-se-lhe-á
ao que não tem retirar-se-lhe-á

a perdiz fraca queda-se no ninho

o boi doente não vai ao verde pasto

fruto que não é maduro é rejeitado

quem não tiver onde reclinar a cabeça
mantenha o cadáver imóvel



regresso ao coração do universo
     onde aguardo paciente
     que me seja apresentado
     o mistério da criação

mas o retorno
é à eternidade
                   sem começo



relâmpagos na noite     trovões cortantes
inundando o silêncio das trevas –
tambores celestes 

o carro não tem eixos

o cavalo persegue a sombra do búfalo

boi novo tem madeira nos chifres

as presas do cerdo capado
estão na encruzilhada do céu –
é segura a edificação


corpo que se alimenta     espírito que se nutre 

excesso de discursos
a mesa repleta para os funcionários da corruptela
assento de estultos



a pedra angular desgastou-se
a viga mestra vergou-se

hora de recolhimento
no encalce da paz

tranquilidade
serenidade gratuita

não deve existir medo na solidão
nem ansiedade no afastamento

mas 
alegria e congratulação


água silenciosa
em veios visíveis
inaudíveis

armadilhas sucedem-se
na arrojada acção dos iníquos

aquele que cair no abismo será para sempre sepultado nas profundezas

ergue a tua taça num brinde ao mundo imenso
e do fosso verás a claridade –
          não abandones a sinceridade


o fogo é paixão e luz
união e clareza

estranha é a beleza
da destruição –

vantagem é
estar à mesa e ter
a candeia acesa

que te interessa asno o que de ti pensam?


quem se senta à beira do lago da montanha
enxerga com sentimento favorável
o que em baixo está
derramando em sussurro suas palavras
na partilha da afeição


trovão e vento harmonizam-se     sol e lua têm o céu
o verdadeiro persiste ao crepúsculo
cordame que não é serpente

estável equilíbrio na instabilidade do mundo 

hipócritas     vigaristas
corruptos     mentirosos
ignorantes e incompetentes
gente desguedelhada

     lança-lhes em rosto a tua saliva

a verdade     a falsidade
antes a espada à fraqueza

o poder da grandeza persegue-nos
o trovão purifica os céus


cavalos brancos correm na planície
regados de luz
tudo é incandescência 
caminhando no aperfeiçoamento até à evidência do fim 
até se exaurir a íntegra plenitude

o sábio mergulha nas funduras
da noite escura
privações
                     dores erráticas –
                     perseverando verá brilhar a luz

fogueira donde saem línguas de vento

está no interior o que do interior é
e no exterior o que é do exterior


no sossego e docilidade do lar
está a harmonia do mundo
fidelidade

     essência da falsidade


fogo ascende aos céus
enquanto o húmido desce à terra

céu opõe-se à terra     esforços que se conjugam
desejos que se conciliam
contrários que se identificam
                sem humilhação

foge o cavalo branco pela encosta
desaparecendo nas ravinas ocultas

a canoa vazia
amontoa-se de espectros horrendos     mas
chove

a alma aquieta-se


sopram ventos de nordeste
contra torres de fino metal

água cobre as montanhas
inútil a ascensão

retorna a ti
ao teu centro inabalável
só ou acompanhado
justo comedimento
inevitabilidade


sopram ventos de sudoeste
extinto o nordeste
com chuva e trovões
caçadas as três raposas
há consonância na jornada


uma taça vazia
outra plena

a plena esvazia-se
a vazia enche-se

assim findando avareza e malevolência
ódio     raiva      maledicência



vento que sopra
trovão que ensurdece –
o agravamento supera-nos

o mais alto fica mais baixo
e o mais baixo mais alto

com o tempo
cursa-se o rio
na direcção dos céus


      escuta homem
não há fraqueza na vontade
nem hesitação na sabedoria
quando a água ascende às alturas

no estado de completa atenção
os salteadores da noite serão repelidos

não havendo carne nas nádegas
é o andar vacilante
e ouvir as palavras de sonhos sem acreditar
designa que a audição não é clara ainda


vento por baixo do céu
encontro inevitável
suavidade e dureza confrontam-se
o que é poderoso é inconciliável com a fraqueza

necessário que algo desça dos céus
para que o porco magro desapareça


sábios que se defendem     são múltiplas suas armas 
tantas quantos os inimigos 
adequadas a cada acção

defendendo-se da contenda antes da execução não haverá lamento choro e perda de alimento

se nada restar para além do combate
erguei a adaga mortal
     sós
ou tendo por aliado um general
em guerras experimentado


na terra crescem árvores
erguem-se torres

vento transporta com leveza
ave que plana receptiva
no caminho sinuoso

reino do vazio


quando o lago está seco
perde-se o ânimo
fica-se exausto

nada se obtém de terra seca e gretada

o vale escuro do coração degrada-se

o quarto resta vazio
nariz e pés decepados
no lento trilhar da felicidade


a brisa sopra na base da água
que sobe na estreita fenda da terra

mergulha nas tuas profundezas
como o peixe pequeno do fundo do poço
sozinho      sem que o balde se despedace
ou o cântaro se quebre


alguns mudam como tigres
outros como leopardos –
     é justo usar a pele do boi amarelo

água e fogo extinguem-se
em contínuas mudanças

os arquitectos da ponte
não a querem armar no mesmo local

os edificadores do templo
divergem no material

     e eu

reuni madeira     vento
ateei fogo –
seguro o resultado
o alimento aí cozinhado


eis que chega o trovão com seu ribombar
ecoando nos céus dormentes

medo acompanha-o por momentos
fazendo tremer a terra inocente –
depois da tempestade a bonança
na ascensão dos nove montes


tempo de quietude
na montanha inerte e sóbria
também eu me quedo em perfeita imobilidade
aguardando o tempo próspero da acção
momento que não apresso

               súbita iluminação


não tenho pressa     não estou impaciente     cresço como a árvore lenta na cumeeira da montanha
em partilha com o céu
comungando a terra     corpo sagrado dos santos incólumes


     o trovão estremece o lago
     tudo está como é
     e deve ficar como está –
     satisfaz-te com o presente


trovão     luz dos raios ilumina as ameias do castelo
o banquete é lauto      enchem-se mesas luminosas
de alegria os corações
mesmo os dos desacautelados     que não divisam de dia a estrela do norte
afrontando a morte


     acendemos fogueira
     na cimeira da montanha

interrompida a viagem no repouso e silêncio do alto
não há contenda     mesmo perdendo a seta     que sacrificou o faisão


cavalgo o vento
seja qual for a sua direcção     com gentileza     acolho-me no seu seio
trilhando sem exaustão os caminhos do azul

     alturas

sangue disperso
na multidão que se agita 

recolhe-te no pátio interior
mas não abandones o exterior
se o não fizeres
                       a quem poderás culpar?


no lago uma barca ao largo     sem timoneiro     sem passageiro

um grou grasna na sombra da margem

ao longe o rufar de um tamborileiro fugaz

o choro de uma criança –
apenas a justa dança cósmica
que sobrevém no meu interior


um pássaro voa para o alto

seu brado desce
o que é pequeno não fenece
deixa-se arrastar pelo refluxo da maré
com reverência e frugalidade contenção e tento

a consumação opera no pequeno
e estriba-se na comedimento
ausência do pensamento
como quem arrasta as rodas lento

da morte que de vivo se apropria


          iluminação intempestiva


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