ao modo oriental
na floresta o veado real fez estancar a montada do rei de gládios besta ajaezada de pedrarias raras
melosas são as iguarias das bancas cristalinas
um baralho anárquico
hirto
sem pestanear
rasteja a ofídia alvar
rábia salivada do conde de copas
prosperar ou não pelo tapete de folhas mortas
eis a questão sempre a questão dos que preparam o esquife na brancura dos dias extintos jardim das oliveiras copadas
o cristo dos miseráveis pobre olvido a cruz deserta
deixa que capture teu espaço
desgastado é o tapiz da cerimónia conubial
abatido e exausto
mesmo na inacção
animal de rojo
prospero na serventia da morte corredores dos horrores
desiludido com os roedores com as vidas-de-favores
lavores de belas-adormecidas
velhas de calções a exibirem celulite na frutaria quase deserta dançam ao domingo com pindéricos da solidão embaem a míngua de pão e carne petrificada é a oração
jovens que se consagram por tostões ao uso santificado do sexo rápido
trem das dez para cascais os pais dormem as filhas fodem os filhos que se drogam que se afogam no vinho vodka e queimam neurónios
maridos labutam e as mulheres nos motéis das auto-estradas lotação esgotada ao meio-dia
todas santas
acusantes
buliçosas
antes que me chames puta chamo-te eu a ti
assim se defendem do cheiro viperino e espermático vapor das coxas efervescentes de ranço
na serrania das manhãs azuis
desabrocham águas de dois nascentes abraçadas enamoradas como dois adolescentes
enfeitiçados
uma somente
ou quiçá
águas diferentes
águas inocentes
ardor de nossa volúpia
apaixonada a jorrar de nossa semente
gaitada de demente
dança ri solfeja pécora de antigamente
o rio é vasto suas águas extensas copiosas
correntio ocre barra-me
retorno à ourela ao lodo ribeirinho
voltarei a ver-te?
digo-te assim sem pudor quero foder-te
e o amor que se dane do lodo à areia de sangue
do sangue às vísceras surdas do penedio
onde os comensais espreitam as relíquias do meu dossel
todas as amantes que tive e tenho
sala escarlate da lascívia
a pívia lacrimejante das tresloucadas
abençoadas porque fodem
que interessa
se bem se mal
firmamentos cristalinos rejeitam a água que remonta –
albergo-me na obscureza da minha alma negra
profundura da fossa abissal navegação em mar grosso
para quê estar presente na trivialidade social?
no natal sim a mesmíssima confusão familiar
na páscoa a paixão e já se deixa de comer peixe
antes o carnaval de todas as horas
o mesmo depois
e agora
agora
o veio de águas límpidas trespassa o coração da terra
sua superfície violentada
por exército em debandada
três vezes o general o adestrou
três vezes ordenou a peleja dos leões doutrinados
seis vezes preparou a retirada dos tigres
nada
assim seja
a cobardia desta geração não tem erecção que se sustenha
há desordem
vaivém
demasiadas baixas
a pujança do desdém
de nada serve ir a belém o homem mumificou
quem está está quem vai vai dizia o pépé
eu estou
da humildade nasceu a harmonia
o taberneiro serve um copo de vinho
um pouco mais
modéstia de fraco intestino
o homenzinho já nada tem a desprezar
em equilíbrio precário
perfeito é seu pacto
as entranhas e o mundo
de ocidente chegam nuvens carregadas de negro-pérola
sem chuva arrojadas pelos ventos
viajo num carro sem rodados
bordado a pura lã
os meus olhos no horizonte
longe dos teus
luzentes de lágrimas
choveu no reino do amanhã
céu a alimentar o lago das delícias
a floresta densa de negra pantera jacente
quem vive de soledade não tem de ser temente
estou sozinho
nesta longa caminhada
em que espezinhei parceria
soluços na pradaria sem gente
coisa que ninguém viu
disse o senhor prior
puta que o pariu
a independência é mais do que liberdade
o seu preço a maior vaidade
conheço-lhe a mais-valia
minha intenção firme natural e benigna
como águas findas
o guerreiro continua o seu caminho
sujo e enlameado
sem comandante
ou a quem comandar
soberano senhor de si não fungível
contigo maria teria casado não fora faltar-te um fusível
por tal
pagarei a quem te leve
ou ao diabo que te carregue
arqueou-se o céu beijando a terra virgem
donzela de cândidos deuses
os deuses são lúbricos deles é o cabaço
o alto e o baixo serenam
à beira das águas arrancámos os juncos
e amámos os desafortunados
amando-nos a nós
nos muros graníticos
da fortificação imaculada
viagem inóspita ao ergástulo
paraísos longínquos
alheamo-nos da terra fecunda olimpo dos êxtases
as minhas mãos no centro das tuas coxas nas tuas o meu membro
o que vem fica
na alma de uma mulher ficam sempre restos de homem
o que vai não volta
na carne de um homem desvanece-se o perfume da amante
ambos carpem e riem
na escravidão do espaço
o resguardo do perdimento não se desmorona
depois do muro em pedra solta
o aprazimento embriagado –
finda a obturação a realização
lembra
quando atravessando o rio grande
os nossos beijos se trocaram no deserto da endívia
e acendemos o fogo do amor
daí nasceu a lascívia dos criadores
noite fria de estrelas ocultas
elas as mais belas
da cooperação nasceu o equilíbrio
da integridade a sabedoria
e o povo era de fraca valia desprezível estrumeira a trasfegar
veemente o fogo sobe ao céu das divindades domésticas
não há nada que extinga o mal da insignificância humana
desfavorável e perniciosa repudiada
a candura obra o bem
a minha mente
um pequeno carro carregado
de perversos e culpados
tempo de engano
tempo de falsidade
mas o espírito fere o farto e enobrece o humilde
na sua grandeza surda e muda
o cume da montanha é despretensioso
modesto
cultivar a humildade é hipocrisia
ser humilde é esperançoso
humildosamente
sol e lua percorrem as suas órbitas
as estações sucedem-se
primavera em floração
estio de fogo outono rubro
inverno de recolhimento
há uma suave e secreta harmonia
no mais íntimo do meu ser
com a luz vem a sombra –
o cavalo branco alado
não deixa rasto
nem na terra nem nos céus
o cavalo preto da retaguarda
não afecta a terra em movimento –
sou feliz acho
o poente está no horizonte
belo como nunca
inocente como sempre
o sol fecha os olhos vagarosamente
sossego nele
seio da luz
que com leveza se apaga
aguardando o novo dia
amo-te maria ao meu modo
desejo do desejo quero-te –
ansiedade que passa
sinceridade e caminho via do meio
clareza sapiência e perícia
adeus vai com deus dá-me o descanso
que há tanto mereço
há uma brisa no sopé da montanha
a acariciar a rocha inerte sublime e suave detém-se
no seu próprio movimento retornando ao centro
como quem começa de novo sem começar tão devagar
tal o rio que esmorece no verão
sem secar
o cavalo branco debate-se no pântano
com esforço liberta-se –
a salvação tem a sua origem na pureza e na lisura
um vento subtil varre a terra
observa-se e contempla-a
que doce e gentil visão –
paz na contemplação
mordo
apenas com intenção de morder
assim supero barreiras e inutilizo a canga que me oprime
que impede o ouvir o ver
a fogueira dos deuses
ilumina o cume áspero
a luz das labaredas
invade as veredas
no caminho há a alegria
da justa simplicidade
não há ódio
não há rancor
nada que cegue a límpida visão
da realidade
dos jardins imponentes
tecidos na circunstância do instante
a justiça dos homens não é divina
não é equidade
espécie de merda fria
àquele que tem dar-se-lhe-á
ao que não tem retirar-se-lhe-á
a perdiz fraca queda-se no ninho
o boi doente não vai ao verde pasto
fruto que não é maduro é rejeitado
quem não tiver onde reclinar a cabeça
mantenha o cadáver imóvel
regresso ao coração do universo
onde aguardo paciente
que me seja apresentado
o mistério da criação
mas o retorno
é à eternidade
sem começo
relâmpagos na noite trovões cortantes
inundando o silêncio das trevas –
tambores celestes
o carro não tem eixos
o cavalo persegue a sombra do búfalo
boi novo tem madeira nos chifres
as presas do cerdo capado
estão na encruzilhada do céu –
é segura a edificação
corpo que se alimenta espírito que se nutre
excesso de discursos
a mesa repleta para os funcionários da corruptela
assento de estultos
a pedra angular desgastou-se
a viga mestra vergou-se
hora de recolhimento
no encalce da paz
tranquilidade
serenidade gratuita
não deve existir medo na solidão
nem ansiedade no afastamento
mas
alegria e congratulação
água silenciosa
em veios visíveis
inaudíveis
armadilhas sucedem-se
na arrojada acção dos iníquos
aquele que cair no abismo será para sempre sepultado nas profundezas
ergue a tua taça num brinde ao mundo imenso
e do fosso verás a claridade –
não abandones a sinceridade
o fogo é paixão e luz
união e clareza
estranha é a beleza
da destruição –
vantagem é
estar à mesa e ter
a candeia acesa
que te interessa asno o que de ti pensam?
quem se senta à beira do lago da montanha
enxerga com sentimento favorável
o que em baixo está
derramando em sussurro suas palavras
na partilha da afeição
trovão e vento harmonizam-se sol e lua têm o céu
o verdadeiro persiste ao crepúsculo
cordame que não é serpente
estável equilíbrio na instabilidade do mundo
hipócritas vigaristas
corruptos mentirosos
ignorantes e incompetentes
gente desguedelhada
lança-lhes em rosto a tua saliva
a verdade a falsidade
antes a espada à fraqueza
o poder da grandeza persegue-nos
o trovão purifica os céus
cavalos brancos correm na planície
regados de luz
tudo é incandescência
caminhando no aperfeiçoamento até à evidência do fim
até se exaurir a íntegra plenitude
o sábio mergulha nas funduras
da noite escura
privações
dores erráticas –
perseverando verá brilhar a luz
fogueira donde saem línguas de vento
está no interior o que do interior é
e no exterior o que é do exterior
no sossego e docilidade do lar
está a harmonia do mundo
fidelidade
essência da falsidade
fogo ascende aos céus
enquanto o húmido desce à terra
céu opõe-se à terra esforços que se conjugam
desejos que se conciliam
contrários que se identificam
sem humilhação
foge o cavalo branco pela encosta
desaparecendo nas ravinas ocultas
a canoa vazia
amontoa-se de espectros horrendos mas
chove
a alma aquieta-se
sopram ventos de nordeste
contra torres de fino metal
água cobre as montanhas
inútil a ascensão
retorna a ti
ao teu centro inabalável
só ou acompanhado
justo comedimento
inevitabilidade
sopram ventos de sudoeste
extinto o nordeste
com chuva e trovões
caçadas as três raposas
há consonância na jornada
uma taça vazia
outra plena
a plena esvazia-se
a vazia enche-se
assim findando avareza e malevolência
ódio raiva maledicência
vento que sopra
trovão que ensurdece –
o agravamento supera-nos
o mais alto fica mais baixo
e o mais baixo mais alto
com o tempo
cursa-se o rio
na direcção dos céus
escuta homem
não há fraqueza na vontade
nem hesitação na sabedoria
quando a água ascende às alturas
no estado de completa atenção
os salteadores da noite serão repelidos
não havendo carne nas nádegas
é o andar vacilante
e ouvir as palavras de sonhos sem acreditar
designa que a audição não é clara ainda
vento por baixo do céu
encontro inevitável
suavidade e dureza confrontam-se
o que é poderoso é inconciliável com a fraqueza
necessário que algo desça dos céus
para que o porco magro desapareça
sábios que se defendem são múltiplas suas armas
tantas quantos os inimigos
adequadas a cada acção
defendendo-se da contenda antes da execução não haverá lamento choro e perda de alimento
se nada restar para além do combate
erguei a adaga mortal
sós
ou tendo por aliado um general
em guerras experimentado
na terra crescem árvores
erguem-se torres
vento transporta com leveza
ave que plana receptiva
no caminho sinuoso
reino do vazio
quando o lago está seco
perde-se o ânimo
fica-se exausto
nada se obtém de terra seca e gretada
o vale escuro do coração degrada-se
o quarto resta vazio
nariz e pés decepados
no lento trilhar da felicidade
a brisa sopra na base da água
que sobe na estreita fenda da terra
mergulha nas tuas profundezas
como o peixe pequeno do fundo do poço
sozinho sem que o balde se despedace
ou o cântaro se quebre
alguns mudam como tigres
outros como leopardos –
é justo usar a pele do boi amarelo
água e fogo extinguem-se
em contínuas mudanças
os arquitectos da ponte
não a querem armar no mesmo local
os edificadores do templo
divergem no material
e eu
reuni madeira vento
ateei fogo –
seguro o resultado
o alimento aí cozinhado
eis que chega o trovão com seu ribombar
ecoando nos céus dormentes
medo acompanha-o por momentos
fazendo tremer a terra inocente –
depois da tempestade a bonança
na ascensão dos nove montes
tempo de quietude
na montanha inerte e sóbria
também eu me quedo em perfeita imobilidade
aguardando o tempo próspero da acção
momento que não apresso
súbita iluminação
não tenho pressa não estou impaciente cresço como a árvore lenta na cumeeira da montanha
em partilha com o céu
comungando a terra corpo sagrado dos santos incólumes
o trovão estremece o lago
tudo está como é
e deve ficar como está –
satisfaz-te com o presente
trovão luz dos raios ilumina as ameias do castelo
o banquete é lauto enchem-se mesas luminosas
de alegria os corações
mesmo os dos desacautelados que não divisam de dia a estrela do norte
afrontando a morte
acendemos fogueira
na cimeira da montanha
interrompida a viagem no repouso e silêncio do alto
não há contenda mesmo perdendo a seta que sacrificou o faisão
cavalgo o vento
seja qual for a sua direcção com gentileza acolho-me no seu seio
trilhando sem exaustão os caminhos do azul
alturas
sangue disperso
na multidão que se agita
recolhe-te no pátio interior
mas não abandones o exterior
se o não fizeres
a quem poderás culpar?
no lago uma barca ao largo sem timoneiro sem passageiro
um grou grasna na sombra da margem
ao longe o rufar de um tamborileiro fugaz
o choro de uma criança –
apenas a justa dança cósmica
que sobrevém no meu interior
um pássaro voa para o alto
seu brado desce
o que é pequeno não fenece
deixa-se arrastar pelo refluxo da maré
com reverência e frugalidade contenção e tento
a consumação opera no pequeno
e estriba-se na comedimento
ausência do pensamento
como quem arrasta as rodas lento
da morte que de vivo se apropria
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