sexta-feira, 27 de setembro de 2013

617. QUANDO EU MORRER




quando eu morrer
não chorem     esse é o meu desejo

    não quero sinos a tocar disparates
    não quero velórios de bonifrates

    cantem     façam amor     embriaguem-se     bailem
tragam do ancoradouro o meu veleiro
lancem as minhas cinzas ao tejo
    meia-noite na baixa-mar

        rio dos meus amores     dos meus pecados
        rio das perdições     dos corações despedaçados
        rio em que nas noites prateadas de luar
                     como ninguém amei
                        e foram tantas as que beijei
                        sexo penetrado 
                        à vista do mar


            ao abismo o que é do oceano
            terra é para homem pequeno
            mar para quem temerário
            o soube defrontar e amar


as mil mulheres que tive     os quartilhos de vinho que bebi     as mil e uma noites que vivi rindo e sorrindo à madrugada

viço e lascívia     estúrdias e luxúria

casas que frequentei     boa e má fama     perdulário na penúria     avaro na abastança    

leitos de solteiras divorciadas casadas alternadeiras e rameiras
famas e camas nunca me faltaram

    
    façam peregrinações a casas de orgia
    levem rufias     carteiristas     proxenetas     
    pelotiqueiros    calaceiros     aldrabões
    femeeiros     arruaceiros
    gastem a soldada     vencimento     a pitança
    não ouçam as vozes adormentadas do povo 
    encham as mesas de mulheres e vinho novo
    soltem risadas à minha lembrança
    que o tempo passa e só vos levo a dianteira

lembrem que a cada hora morta pensei mistérios desvendados e por desvendar
chegando até onde o entendimento humano pode chegar
pensando tudo o que há para pensar

não quero mágoas     pesadelos     saudades
tive tudo o que tinha de ter
fiz tudo o que tinha para fazer

e

nos rochedos do cabo escrevam a vento e sombras

        aqui jaz o que não lamuriamos
        com setenta vezes sete vidas vividas
        de alegrias felicidade êxtases e dores
        nos parcos anos que deus lhe deu
        e acanhadas férias que a morte lhe concedeu
        navegante de corpos almas e mares
        amante de vinho mulheres e tempestades


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