segunda-feira, 2 de setembro de 2013

580. QUEM SOU EU?





dias de ignorância     o sem sentido
as horas correm pela noite     sal dos himalaias que se alumia
  
estado de letargia sem sono
lume brando da existência sonora

        a insipiência é mensurável pelo pesadume da experiência

        traquejo do sofrimento
       negação de calendário licencioso com perfis nus

lá fora o sol incinera a sarça
a traça apodera-se do velho sermão
cá dentro a alma em queimação


        quem sou eu?

     haverá um falso eu
     haverá um eu verdadeiro

pássaro ferido arrojado aos pés de camélias brancas
espírito alado varado pela dúvida
ânimo acorrentado     prisioneiro do destino
beatitude da mais pujante soledade
levante de noite escura 


        quem sou eu?


o mês das giestas já poisou nas mãos mortas da indigência quotidiana
as urgueiras brotam desejos
os pinheirais estão mudos
os relvões do cume fanados

corpo     consciência     intelecto
quando vigio     quando no sono sonho

e quando durmo profundamente     na morte do entendimento 
          o que é que tem subsistência?


sou este corpo     mundo de órgãos e morada de biliões de seres que o habitam servem matam e são mortos
sou o que como     o que desenfezo     o que defeco          o sémen que derramo nas horas de luxúria
suor de tardes violentas
calafrio de intempéries  ancestrais
sincelo que na carne se entranha e os ossos rói

corpo que dói


        quem sou eu?

a percepção da realidade e do sonho a brotarem dum corpo que se abastarda dia-a-dia
o percebimento da orbe pelos sentidos


            sonhei ser borboleta ou sou agora uma mariposa que sonha ser um homem?



        quem sou eu?

o ego     os pensamentos aí engendrados no sonho do sono e na insonolência

esse misérrimo eu criador de todas as iniquidades


        serei corpo     consciência     intelecto



e no sono profundo     estado sem dualidade      
onde não há eu tu terra lua sol firmamento
anseio medo ambição 
ganância ira maldade sofrimento
onde os próprios sonhos se suprimem
e corpo consciência e razão não existem
quem serei eu?




música de fundo     perfeição progressiva nos acordes
        vozes
algo se nega
luz contida
nas sebes da alma

no plexo solar uma pressão interna     alma em esforço ao luar     flor que se quer mas não pode abrir     observo-te reservatório da vida
nem candeia nem lanterna
não vens
o teu desprezo é circunciso
cortas-me o freio
e não me diluis o desejo

a minha visão é interna     lenta a descida do olhar
um fio de luz transporta orvalho do coração ao ventre
o corpo presente em sacarina letargia
algo que se comunica     a pressão continua
       o escondido não se mostra
agita-se em espaço comprimido     região umbilical em quase-explosão

        é urgente
        paciência
        persistência


        quem sou eu?
        quem és tu a quem nego a saída?


pergunto-me de novo
                            quem sou eu?
este corpo     a consciência que tenho na vigília ou no sonho     a intelecção
não     eu sou      eu     presente na vigília no sonho e no sono profundo

dormirei profundamente e saberei que estando surdo cego e mudo terei o mundo




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