segunda-feira, 2 de setembro de 2013

574. AS MINHAS MEMÓRIAS





madrugada       hoje já não hás-de vir

que lucro posso retirar das amantes perdidas
          prefiro-te a ti

dizem-me para escrever as minhas memórias     que falta de tino     seriam um péssimo exemplo
processado pelos pais das crianças
excomungado pelo bispado     perseguido para ser queimado     crucificado e penetrado por lanças
condenado ao degredo ou vendido como escravo 
do sexo     ou para mandar 
porque pouco mais sei fazer –
amante ou amo


sou a taça onde foram vertidas todas as virtudes e defeitos     um ser experimental moldado por um deus embriagado

sou a sensibilidade à flor da pele     a promiscuidade desarrazoada do prazer     o aprazimento do clímax mítico     o tríptico das noites amorosas     a insatisfação revoltosa das vidas vegetais     a essência da irreverência
     o místico das solidões oceânicas     

sou de além-civilização     de além-túmulo e sem comissões 
     independente e livre como rimbaud
- mas muito pior poeta é certo     não se pode ter tudo
modéstia 

água benta e presunção cada um toma a que quer


          perguntas-me pelo molde
     
     primeiro dia
consumado o erro foi destruído e as cinzas espalhadas num ermo celeste

     segundo dia
deus ajoelhou junto da arca dos ossos e dos tecidos moles e pediu perdão     por desastroso erro cometido na criação

     terceiro dia
excogitou o baú das almas que amamentou no berço dos tempos

     quarto dia
mesmo vendo que não havia cópia fez uma depressão 

     quinto dia
chorou e lamentou a criatura viciada horas a fio

     sexto dia
repousou 

e aqui estou     perdido     sem confrade que parecido seja
eu
o eterno incompreendido –

que comovente


são quase cinco da manhã
que deus me perdoe o inconveniente

     incómodo de fim de semana à francesa


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