segunda-feira, 30 de setembro de 2013

630. OFERTÓRIO





meu deus
que tenho eu 
para te ofertar?

noites de volúpia
sexo sem findar
vinho cor de rubi
na mesa a abarrotar
ou esta dor
que me consome
angústia existencial
a germinar

pesar de quem te ama
e na transgressão se suja
que não sabe o que ama
nem porque ama
e talvez nem saiba
o que é amar
nem porque é sujado
na violação da norma 
que do madeiro nos deixaste

dou-te apenas o que te posso dar
este padecimento angústia dor
que tu em mim geraste


629. AMOR A TRÊS





as duas reclinadas
duas línguas fermentadas
dois lábios orvalhados
dentes alvos
que mordem o desejo

dedos que roçam
os grandes lábios 
a protrusão eréctil
num movimento surdo
perfeito extasiante

eis o que me aguarda
dois corpos em chamas
uma única alma
cálida e vibrante

a cama branca
por testemunha
do que vejo
sinto



628. AMOR SEM TEMPO





aproximas-te
envolves-me as faces
com o veludo dos dedos

sentas-te em mim
e por horas
breves e lânguidos
movimentos
exterminamos 
todos os pensamentos

nesse vaivém conubial
amamos
atá que a alba
solene
nos venha arrebatar



627. JÁ NÃO HÁ HOMENS COMO OS DE OUTRORA





dia de eleições     até os miseráveis sorriem não sabendo porque o fazem     sem consciência do que lhe irão fazer
povo dono do sofrimento     jugo que carrega tal junta de bois irmanada 
rebelde na fala     cobarde na gesto     são milhares nos covis escondidos os que mastigam suas mágoas e expelem queixas nas águas dos bebedouros profanados
que lhes interessa se ao contíguo dói corpo ou alma?
chove aguaceiro infiel amargurado sozinho como cisne que escolhe morro para o derradeiro canto     paz às suas penas
povo enlouquecido pelo consumo exigência de cosmética social     como pardal-ladro em beirado de luz negra coça-se com o bico corroído nas partes definhadas e engelhadas
gente que grita no delírio da ficção     vinte foram os anos de oiro falso     que será deles agora amedrontados e abúlicos psicopatas?     fantasia das arcas volantes e das profecias de videntes estremunhados pelo ópio da insipiência     obtusos marujos de água adocicada pelas doações universais     broncos     toscos básicos varredores da parada
a escuta dos genitais     generais sem armas     os ais respirados com sofreguidão     invenção projectada nas páginas de uma história impressa a ranço
   inculto e patético                crédulo e ridículo
   apático   acrítico                 besta de carga
   escravo                              servil
que sofre
gazela despedaçada por leões
ovelha cercada por lobos
boi atacado por chacais
triste povo que padece no coração da infâmia     injustiça sem revolta
já não há homens como os de outrora


http://www.homeoesp.org/livros_online.html

  

626. NUDEZ FRIGÍDA





franzina nudez
de costas voltadas

pela parede 
nua amparada
reluz na alvorada

do sexo

625. BRINCADEIRA DE MENINAS





no sofá verde
da parede amarela

brincais ao amor
pela primeira vez

jovens e belas
experimentais
o toque subtil

donzelas em erecção
uma mão na rosa



624. DOER DE AMOR





manhã jorrada pelas persianas de penas azuis     recompensas de outro mundo nas estrelas     luzeiros ainda acesos
o viajante troteia ao vento de oeste     corcéis doirados com os passos guiados pelo deleite     são tão estranhas as vias do amor     da inveja
hoje leve e puro
amanhã pesado no rosto ensanguentado
um duelo no bosque verde     gramíneas mudas em peleja     espada guarnecida a lírios crava-se no peito de pura verdade

abram-se fêmeas
aos machos porosos
que vamos de cavalgada

enquanto no mundo se dorme
ame-se na montanha de jade
que vamos de cavalgada

doce o pensamento que se materializa
eternidade consorciada à fecundação
desígnio encapotado de mão velosa
a frequentar teu corpo de azevinho
invadido pela melancolia e saudade
que vamos de cavalgada

cavalgo-te     prospera em mim o mais límpido instinto     que venha o vinho     assim te amo assim te monto inebriado     o suor escorre     o membro cresce     teu pomo floresce     que o vinho venha     vulva alagada
movo-me violento     buscando o fundo ao gozo     quero ter-te     ouvir-te dizer que tanto é o prazer que até faz doer
doer que não é dor     doer de amor



623. BACANTE





uma pele
de carnívoro
no chão 
brilhante
um dente 
de leopardo
na estante
e tu
bacante
olhas-te 
num sorriso
de velho
espelho
enquanto aguardas
ansiosa
o costumeiro



622. PEGADAS QUE NÃO DESAPARECEM





à beira-mar
corda de lira retesada
corpo prateado de luar

longínqua
uma onda desperta
o forte adormece
rochas que escurecem

caminho para ti
pegadas 



621. DOÇURA DE TEUS LÁBIOS





doçura
de teus lábios
no meu sexo

dedos 
na escuridão 
do teu fruto

um ai
que se solta
no silêncio

como vieste
te foste – 



620. VAMOS AMAR?





pernas
nas minhas
entrelaçadas

de braço
na cintura
pergunto-te  

com o olhar – 
estamos nus



619. NUA NA AREIA





nua na areia
praia deserta
da nossa paixão

a espuma
envolve teus seios
redondos hirtos

uma gaivota
espreita 
o movimento

gritos
de êxtase



618. MEU CORPO NO TEU





meu corpo
no teu
teu cheiro
no meu

espasmos 
consecutivos
na carne
que renasce

beleza do mundo
nesta tarde






sexta-feira, 27 de setembro de 2013

617. QUANDO EU MORRER




quando eu morrer
não chorem     esse é o meu desejo

    não quero sinos a tocar disparates
    não quero velórios de bonifrates

    cantem     façam amor     embriaguem-se     bailem
tragam do ancoradouro o meu veleiro
lancem as minhas cinzas ao tejo
    meia-noite na baixa-mar

        rio dos meus amores     dos meus pecados
        rio das perdições     dos corações despedaçados
        rio em que nas noites prateadas de luar
                     como ninguém amei
                        e foram tantas as que beijei
                        sexo penetrado 
                        à vista do mar


            ao abismo o que é do oceano
            terra é para homem pequeno
            mar para quem temerário
            o soube defrontar e amar


as mil mulheres que tive     os quartilhos de vinho que bebi     as mil e uma noites que vivi rindo e sorrindo à madrugada

viço e lascívia     estúrdias e luxúria

casas que frequentei     boa e má fama     perdulário na penúria     avaro na abastança    

leitos de solteiras divorciadas casadas alternadeiras e rameiras
famas e camas nunca me faltaram

    
    façam peregrinações a casas de orgia
    levem rufias     carteiristas     proxenetas     
    pelotiqueiros    calaceiros     aldrabões
    femeeiros     arruaceiros
    gastem a soldada     vencimento     a pitança
    não ouçam as vozes adormentadas do povo 
    encham as mesas de mulheres e vinho novo
    soltem risadas à minha lembrança
    que o tempo passa e só vos levo a dianteira

lembrem que a cada hora morta pensei mistérios desvendados e por desvendar
chegando até onde o entendimento humano pode chegar
pensando tudo o que há para pensar

não quero mágoas     pesadelos     saudades
tive tudo o que tinha de ter
fiz tudo o que tinha para fazer

e

nos rochedos do cabo escrevam a vento e sombras

        aqui jaz o que não lamuriamos
        com setenta vezes sete vidas vividas
        de alegrias felicidade êxtases e dores
        nos parcos anos que deus lhe deu
        e acanhadas férias que a morte lhe concedeu
        navegante de corpos almas e mares
        amante de vinho mulheres e tempestades


http://www.homeoesp.org/livros_online.html




616. VEJO-TE JUVENIL





vejo-te juvenil
bela e atraente
amada que tanto amo

sonho
com o teu perfume
aroma perturbante

com teu sexo
húmido e amplo
botão a florescer

em minha mão
em meu ceptro
tu a mais esbelta

nua das mulheres
que a velhice


615. TU ÉS A ÚNICA





tu és única
a estrela de pétalas
que minha pele atravessa

banhas-te no meu sémen
seios dilatados no lótus
coxas a apertar o coito

juntos na noite
aguardamos a alvorada
de mão dada

sexo com sexo
confinado
ao amor carnal

rugido 
de leão
no coval

a boca na boca
a arder salivada 
sem que nada

nos possa deter
tão forte é
a força da remada

aleitaremos ambos 
um novíssimo amanhecer
luz a fazer doer

crisálida de renovados tempos


http://www.homeoesp.org/livros_online.html



614. LONGAS NOITES DE AMOR





demorados
são teus cabelos
doirados

à cintura
aconchegados
em meus afagos

voz mansa
jovem e clara
diz que me ama

uma e outra vez
nas duráveis noites
de amor

meu membro
penetra-te
confins do gozo

corpos em enlevo 
entrelaçados
que vertem suor

sibilos
carne em regozijo
prazer de puro amor

amantes
pelo espírito



613. TU A RAINHA LUMINOSA





tu a rainha luminosa
túnica colada ao corpo
perfeito rosto de rosa

ameixas caem ao solo
tua beleza não
pele diáfana da natureza

toco-te levemente
um gemido ergue-se na noite
delícia que não é de gente

amor que por minhas mãos 
por horas deus te deu
e não soubeste divinizar

só o divino vive eternamente


http://www.homeoesp.org/livros_online.html



612. PRAZER DE DEUSES





teu corpo fresco
eco de promessa
primaveril

prazer
a deuses 
entregue

seios
a desvendar mistérios
na boca sedenta

quarto remoto
alma lírica



quarta-feira, 25 de setembro de 2013

611. ADEUS ALDEIA





o vale consumiu a sua beleza

    incendiados os verdes pinhais
    os raquíticos castinçais
    brejos por lavrar

até os amores da infância ardem nos círios oblíquos da ermida
    morreram os poetas sonhadores     

olhos que não se deleitam nos verdes luzidios
visão contaminada pela inveja e hipocrisia das gerações doiradas

saúdo os anciãos no peito da saudade
inclino-me perante as campas abandonadas
covais antigos
a minha oração é desesperança
meu coração tições afogueados

    a honra perdida
    nunca mais será vista
    nem alcançada

            adeus aldeia
                adeus


http://www.homeoesp.org/livros_online.html



610. LÍNGUAS AFIADAS





falam de mim     oiço-os     línguas afiadas no redemoinho eterno dos gorjeios obsoletos
a tua imagem muda consola-me     rodeado de árvores enlouquecidas flores negras que acenam às pérfidas palavras     doida correria da caixa nocturna a esculpir mágoas sobre o homem que esmorece no roseiral     o corpo das defuntas revolta-se em tempo de trevas pintado com cores avermelhadas     o espírito menstruado no templo da obscenidade     uma bruxa vomita cartas no zodíaco plácido que se rasga nas ondas do rio     tarde atenta ao cavalo alucinado das ramarias enredadas em copiosos pingos de gelo     misterioso florescimento de cómodo cio     pensamento imenso de brancas coxas ante abismo de vento em fúria
jaz o mel da alma na hóstia de olhos azuis
criatura fluida gerada no interior da corola     dor em flor de longos cílios
anoitece e as bailarinas gritam impropérios para além do sonho de mansas curvas
minha glória     meu prazer     
eterna fama de ave migratória


http://www.homeoesp.org/livros_online.html



609. ABRAÇA-ME SENHOR





a porta aberta aos séculos de pássaros sombrios

a palavra que nasce da flor do espaço
           gente em peregrinação quando deus o quer
              não há sinais de sua chegada


    abraça-me senhor
    teu sagrado ventre no meu
    invade-me com teu sangue


    brame mar nas correntes
    mãos de fogo nas pétalas que sucumbem
    na boca de teus dentes

rio dos afectos
margens que se não adivinham
pupila inquieta em plumagem de verão
sinistra cascata onde o tédio se desmorona

    janelo do madeiro corroído


http://www.homeoesp.org/livros_online.html



608. INTERPRETAR OS SINAIS





interpretar os sinais dados em pesadelos nublosos
tantas as vezes que o disse     tantas foram as que o sonhei
a noite é minha como é o rumor da brisa nas árvores gigantescas que circundam o terraço

adio constantemente a partida
uma hora de sono     apenas uma

aguardo o meu veleiro
levá-lo-ei nas noites estreladas pelos mares prateados
dormindo ao leme por instantes
e para sempre no derradeiro momento

ele ouviu a minha prece
mas não compreendo a sua palavra
que venha
dando-me a angústia ancestral
ou um doce estar em absoluto remanso

ouvir uma cantata enquanto a manhã não germina
que venha
seu esplendor



607. O VELEIRO NÓRDICO





a minha alma faz o caminho pedregoso para o mosteiro     por quantos dias?     
junto ao mar num portão púrpura do cais está atracado o veleiro nórdico de escotilhas luzentes
jardins da terra e jardins do oceano     a mesma solidão pacificadora a mesma brisa sussurrante 
cálida é a bênção dos deuses derramada sobre os que enveredam pela contemplação do infinito 
percorrendo com imaginação delirante os confins do que não tem existência


http://www.homeoesp.org/livros_online.html



606. NÃO-MISTÉRIOS





já sabido     os mistérios serão sempre mistérios o que faz deles não-mistérios
prolongar os dias no carreiro da processionária descobrindo o que não existe     vida de saltos mortais piruetas trejeitos e gente obsoleta a vaguear nos corredores das cidades nos trens nas aldeolas na promiscuidade dos pavilhões exsudados     a clandestinidade da traição     a fome a ganância e a ira dos povos
morreremos tão asnos quanto nascemos
as árvores nem sempre são verdes e os rios não correm sempre na direcção do mar



605. PERTO TE SINTO SE TE AFASTAS





perto te sinto se te afastas
nuvem que peregrina em melífluos aguaceiros

barro e cinza     barco vaiado pelas vagas de espuma
cidade desaparecida no lodo com todas as suas flores e pomares
frondosas árvores cessam o pranto dos caleiros do céu

tempo da rosa     sorriso de noite morta

chegaste para logo partir brisa do levante
sol do meio-dia onde os nevões vão perecer


http://www.homeoesp.org/livros_online.html



604. MUSA LOIRA DOS MEUS SONHOS





musa loira dos meus sonhos de verão
que poderei fazer por ti nessa tua angústia

loiros cabelos sorridentes
claros como a alvorada     riso cristalino     recatado
ninfa solitária em corpo perfeito     vénus com mestria esculpida em leito de âmbar

que poderei fazer por ti?
tão nova     gentil     amaviosa
fruto esplêndido da criação

talvez nada

talvez amar-te nesta distância
em que amado e amada
deploram a ausência
e se conformam em terrível fado


http://www.homeoesp.org/livros_online.html



603. APRENDER A AMAR





acendem-se lâmpadas nas folhas de trevo     cavaleiros preparam as montadas     a guerra
retinir crescente do orvalho escutado à janela pelos rostos de crianças melancólicas

anseia-se sempre por outro amor
incomparável e único
sol a beijar manhã plana

logo que o mundo finde
guiados pelas estrelas nos promontórios dos mistérios



602. SEM CORAGEM DE OLHAR PARA TRÁS





os despojos do meu ser pródigo e fulgurante
não tenho coragem de olhar para trás

a jornada do dia condensa-se nas maçãs do teu rosto
nos teus olhos o amor     círculos de peste e fogo

o passado anda pela sala sem afeição
o presente cerca-me a morada
o futuro é um lugar sombrio

um abraço     um beijo
uma ave de asas imensas

pesa-me o coração ao tocar do sino



601. JOVEM DEUSA





rosas do encanto     sono primaveril em planície de flores onde entoa a voz dos rochedos     encruzilhada de virgens

uma jovem que se transforma em deusa
um tigre atravessado por flecha envenenada
vencida é a lonjura

resplendor sagrado da harmonia angelical
no murmúrio dos meus dedos


http://www.homeoesp.org/livros_online.html



600. PEQUENOS POEMAS





campos secos que brilham ao sol poente
azinheiras a amarelar de secura – 
não findará este verão infernal?


*


a casa da quinta cercada de pinheiros mansos
nos campos por lavrar alguns bois bravos –
os contrários conjugam-se harmoniosamente


*


à beira da via férrea
são muitos os canaviais
no trem animais     pouco mais


*


hoje sinto alma em corpo limpo – 
saiu da minha vida a imagem
de asco da última das prostitutas  


*


aqui ali sem saber onde
sem lugar onde reclinar a cabeça –