quarta-feira, 14 de agosto de 2013

506. A CONSTRUÇÃO DA ALMA





continuo sem dormir     no marulho das ondas contra a praia o mar soçobra     como um afogado asfixia-se

é urgente construir uma nova alma como quem obra sólida barca para atravessar o abismo 
esta não me apraz     nela nada pode morar para além das imprestáveis velharias acumuladas pela miserável angústia dos espaços nebulosos
xavecos dum ontem apagado à percussão do badalejo das cava-terras     velhas à soalheira 
enegrecidas são suas paredes     lamacenta na profundidade condicionante e inquinada à superfície
de madrugada ascende-se à serra

na noite escura o pedreiro tomando em si desmedida paciência
com mãos sedentas irá armar pedra a pedra  até que o multíplice seja uno
vazio de porta aberta ao porvir e à sua querença
sem escolha sem desejo por onde tudo passa sem criar raízes
como espelho vário de tudo e nada 
como espelho cintilante e astuto
lúcido corajoso solitário 

apenas uma alma desapossada das mil e uma formas pode adquirir o absoluto   

por ora
dele não digo sim nem não     nada assevero ou refuto não me atenho à aparência     não
tenho apenas por companheiro 
o fiel silêncio
e um dedo
aventando o caminho
sem realidade e existência

bem-aventurado o que não observa o dedo



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