sábado, 29 de junho de 2013

477. AO JOÃO PESTINHA





ao joão pestinha

num dia de primavera
no crepúsculo vespertino
de um poente onde nascem as primeiras estrelas
e as giestas ainda florescem de amarelo
enquanto o luar desponta no horizonte
quando cansado
olhos tristes para mais não ver
sem nada para conhecer
recostarei a cabeça no teu dorso
para que a morte me leve na doçura da aragem

de madrugada sem pensamentos
partiremos de assedasse
eu de cana na mão
tu com o nariz ao vento
pelagem fulva a deslumbrar o sol
galgando as curvas do rio
as águas verdes e azuis
as escarpas graníticas
as margens sedosas

fingirei pescar
tu caçar
como fizemos sempre
afugentarei as trutas
assustarás coelhos e lebres
na serra que fala às estrelas
e que será sempre nossa
do mesmo modo que nós dela

no pai-diz
deitar-nos-emos no areão branco
olhando com ternura as estrelas
em irmandade aconchegados
tão juntos que ninguém perceberá que dois somos
aguardando a aurora
para nos transportar em seus raios
à erva da fome

livres como só nós sabemos ser
tu fingindo caçar
eu pescar
como sempre
numa existência eterna e circular



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