sábado, 29 de junho de 2013

471. CORPOS NA NOITE





corpos arrastavam-se na noite
salteada de luzes mudas
de prédios adormecidos habitados por carne pútrida
ali ninguém perguntava à vida a essência da morte
passavam simplesmente ou
sonolentos cerravam os olhos ao som de uma televisão surda e insensível
algumas crianças ainda brincavam com jogos de imagens terríficas enquanto no quarto ao lado os pais consumiam em segundos a última erecção

o rio corria lento na direcção das américas
com as mágoas à superfície
e o pecado acantonado na escura profundidade
cintilavam almas nas cristas das pequenas ondas de marfim polido
armadas ao capricho da brisa da memória

alguns pescadores deitaram botes às águas
acorrentados à proa por frágeis cabos desfibrados
vagos pensamentos sem nexo das ruas desertas da cidade
as reflexões dum povo literatura-de-cordel
reinando ao faz-de-conta da sensibilidade da última claridade lunar 
acomodavam a almofada de plumas dos sonhos

no meio do rio levantei âncora depois de ter bebido
o sumo acre da última meditação do dia
icei a grande apoiado no mastro a penetrar o insondável céu negro
desenrolei a giba da amargura
o vento variável ajustou-se à medida do meu coração alado e
com hálito perfumado a jasmim enfunou os panos

quantas milhas a percorrer?
quantos nós sacramentais serão servidos na bandeja de prata pela brisa-do-amor?
o rumo incerto em bordos consecutivos
o certo abatimento do bordejar
atira-me para um imenso mar de dúvida
na miragem da terra prometida

olho para as margens
com seus bares-mulheres
risos e palavras pesadas na balança dos sentidos
viro de bordo
e a cada viragem
os desejos abatem para terra
com o velame a bater descompassado
cabos de amarração seminus
a vogar ao sabor das delícias enfeitiçadas que nenhuma oração excomungará

aterrarei alguma vez na terra prometida?


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