sexta-feira, 28 de junho de 2013

385. MADRUGADA NO CAIS DESERTO





partira na direcção do leste
quando a lua se escondia no seio das fragas

aves começaram a acordar no espaço surdo
como se a escuridão da noite tivesse todas as portas do beijo e da paixão encerradas

debruçou-se no seu próprio corpo
do mesmo modo que se curva nas nuvens floridas quem nasce para amar
olhou as palmeiras com um pássaro verde e azul na cabeça

a semente do homem espalhara-se chegara aos corredores vazios
o mistério da sua fuga nunca seria desvendado

pequena porta de cave ecoava num sonho avermelhado
a pele gelada as mãos frias de vento de outono
os degraus exaustos com a luz do sol apagada
um jardineiro de papel à entrada dava a ideia de ausência glacial
gravatas e sobretudos cresciam nos cantos em vasos de plantas inventadas
um coxo debruça-se na máquina de fazer cigarros cumprimenta-a e despede-se até mais logo
as mulheres seminuas absortas na concentração vítrea do lucro tremiam 
a noite a retinir semeava o mar de navios e de fantasmas
uma-oitava-acima cantava o desamparo de corsários ébrios

ia de novo evadir-se do cárcere desgastado
mas a porta escancarada com as goelas a espreitar
tamponou o tempo
que só fora dela existia

a taça orgíaca numa mão
uma mulher orvalhada na outra
e a acidez da agonia a corroer-lhe o coração 
aproado à volúpia do rumor 
da madrugada no cais deserto


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