segunda-feira, 24 de junho de 2013

317. UM MANIFESTO PARA A HUMANIDADE





desejo com ardência escrever um manifesto para a humanidade

um manifesto para a eternidade

num manifesto escreve-se 
escreve-se para que poucos leiam e 
poucos sintam enquanto 
nenhuns praticam
redige-se nas areias límpidas da beira-mar
em tempo de marés vivas

nem na gandaia um sem-abrigo olhará as suas letras a formar palavras indecifráveis
nem um letrado filósofo da orla marítima se dignará prestar-lhe atenção
nem os cães que passeiam seus donos junto à rebentação das magníficas ondas irão sentir seu odor ilusório


um manifesto escritura-se
de preferência num papel velho
digno
com cheiro a catedral
e fisionomia de monumento nacional
protegido por leis obsoletas
saudosamente anacrónico
um manifesto é sempre extemporâneo
como navio calafetado no fundo dos mares
ou vela acesa num qualquer meio-dia de primavera

tem-se esperança num manifesto
como mãe que aguarda o nascimento de um filho
ou sua chegada da guerra

um manifesto é um nado-morto
um corpo num ataúde
numa urna de chumbo
carregado além-mar
crivado de fragmentos
e marcas de dor oculta
sangrada por estilhaços 
de vida sem sentido


apenas três palavras
podem mudar o mundo
três palavras cheias e não ocas
porque as ocas são apenas palavras
e as palavras não são as coisas
nem sentimentos nem emoções
as ocas são o reflexo da humanidade
no espelho poeirento sujo e deformado
do cérebro do tempo

apenas conheço três palavras
capazes de abranger o universo
amor     liberdade     beleza

se algum dia as atingir em sua verdadeira essência já não mais serei eu 
serei um-com-deus
e quando for um-com-deus não irei perder tempo a escrever

deus não sabe ler



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