terça-feira, 18 de junho de 2013

172. VIVOS-MORTOS





desciam a rua
pálidos
esquálidos
com o sangue coalhado
nas palmas das mãos

com eles
um cão de parco pelo
no passeio matinal
levantava a pata
anunciando o inevitável
nas esquinas obsoletas do zelo

caminhavam com gravatas
vermelhas
da moda
subindo escadas de claustrofobia
elevadores montes-de-gente
sem rosto
transparentes

um dia mais
igual à sonora carruagem do quotidiano
mais um dia
semelhante aos modos cinzentos do rapaz da pastelaria

computadores acendem-se ao raiar da aurora
números rodeados de sinais cabalísticos
fixavam-se na economia plana dos monitores
gastos por olhares depressivos
papel de luzes opacas amontoado em cadeiras mortalmente desocupadas

as mesmas palavras os mesmos rituais a mesma vigília descontente os mesmos carros a rolarem nas suas marcas exibindo seus modelos

mulheres calças de contrafacção comprimidas na celulite exposta aos olhos interiores dos quartos acesos
uma argamassa de pó betumara as rugas do desvario
numa qualquer hora diurna dos motéis da auto-estrada
apressando-se em corrida surda
inflamando os sentidos erécteis do despertar

apercebi-me então
da sua essência
vivos-mortos
caminhei a seu lado na nuvem ilusória da calçada
em transportes destinados a um outro mundo
com rodados flutuantes de sonhos materializados
execução orçamental de parlamento acocorado em vis destroços de restos humanos naufragados

agora já estou só
as conversas apagaram-se
O sol acende-se com lentidão no horizonte queimando o último azeite da miséria
iluminando prédios escurecidos de melancolia com raios branco-pardo

os mortos-vivos recolheram às suas celas
para viverem momentos de crepúsculo
e voltarem amanhã depois do sono
a morrer
nas mesmas calçadas de sempre


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